terça-feira, 7 de junho de 2011

O Vale Long Qing Xia

Viajar pela China sozinha foi uma experiência maravilhosa e também um desafio constante. A maior dificuldade que encontrei durante as duas viagens foi me comunicar com os chineses. A minha falta de conhecimento do idioma me impediu de visitar alguns lugares afastados das grandes cidades que eu só chegaria se estivesse acompanhada de um guia ou com algum serviço oferecido pelas agências de viagem. Sou apenas capaz de falar umas poucas frases e uma dúzia de palavras em Mandarim, então não dá para se aventurar muito pelo interior da China.
Eu tinha lido em um guia de viagem sobre o Vale Long Qing Xia e, embora quisesse muito conhecê-lo, não tinha conseguido encontrar nenhuma operadora no centro de Pequim que oferecesse este passeio. Então tive que procurar uma alternativa, não muito convencional, para chegar lá.
Eu estava na fila para comprar o ingresso para visitar a Cidade Proibida e, ouvi não muito distante de mim, dois americanos falando com uma chinesa. Começamos a conversar e descobri que ela era guia e trabalhava como autônoma. Peguei o número do telefone dela e prometi ligar no fim do dia para a Yuan Hai Fang e fazer todas as minhas perguntas sobre o Long Qing Xia que eu tanto queria conhecer. 

No final da tarde, antes de deixar o vale. 

Não é muito comum se encontrar na China pessoas viajando sozinhas, e muito menos uma mulher brasileira andando só por lá. Sempre que eu conhecia alguém precisava dar longas explicações sobre as minhas andanças mundo afora, falar que gostava muito de viajar e que estar sozinha na China não era muito fácil, mas era também uma experiência grandiosa. Quando telefonei para a Yuan Hai Fang, não foi diferente. Ela queria saber mais sobre mim do que sobre o passeio que eu queria fazer.
Assim que consegui convencê-la de que eu não era nenhuma extra-terrestre, ela aceitou ser minha guia até o Long Qing Xia. Porém, deixei claro que concordava com o preço do passeio por ela definido desde que a gente fosse de ônibus, trem ou metrô. Eu queria chegar até lá da mesma forma que um chinês que não tem carro vai para as montanhas. Outra vez ela se espantou com os meus comentários e por alguns segundos achei que ela ia desistir de me levar até o Long Qing Xia. Expliquei que eu gosto de conhecer a forma como as pessoas mais simples vivem, como se deslocam, como é para um local chegar até um lugar que os turistas  só vão de carro. Eu acho a China um país tão surpreendente que o simples fato de se deslocar do Hotel até um vilarejo, por exemplo, já é uma experiência extraordinária.

Minha guia, Yuan Hai Fang

Acertamos que ela iria me encontrar no meu Hotel no dia seguinte, 20 de junho de 2010, às 7:00 hs da manhã.
A primeira parte do trajeto foi sem novidades, tomamos o metrô, que eu já conhecia bem, e depois de passarmos várias estações chegamos até um terminal de ônibus. Havia muitas pessoas esperando ônibus, vendedores ambulantes, bicicletas, motos, carros e eu quase sendo atropelada a cada instante para o desespero da Yuan Hai Fang.


Estrada que andamos a pé até o Vale.
 
Com alguma dificuldade conseguimos entrar no nosso ônibus que era bem velho, as cortinas cheiravam a mofo e os assentos eram minúsculos. As pessoas me olhavam com interesse e logo começaram a falar com a minha guia. Ela falava alto, muito entusiasmada gesticulava bastante e todos sorriam ou gargalhavam para mim. Eu, sem entender nada, retribuía o sorriso, meio patético. Perguntei para ela porque aquelas pessoas estavam tão felizes me olhando, afinal eu era só mais uma turista incapaz de se comunicar com eles. Ela me disse que os chineses gostavam muito dos brasileiros. Bem, como estávamos na época da Copa do Mundo, é natural que qualquer brasileiro no exterior seja visto como um integrante da Seleção Brasileira. Todo mundo quer escalar a seleção num fôlego só para mostrar o seu amor pelo futebol penta campeão. Ainda assim achei que não podia ser esse o único motivo para tamanha alegria com a minha presença. Apurei o ouvido para tentar entender alguma coisa e percebi que repetiam várias vezes o nome do “Kaká”. Perguntei para a minha guia porque estavam falando tanto sobre o Kaká e ela rindo muito me disse que ela havia falado para todas as pessoas que eu era prima dele. Se isso era só o começo do dia, melhor nem pensar no que viria depois.
Falei que não me agradava que as pessoas fossem enganadas, mas ela nem se importou. Ai como eu queria falar para todo mundo que eu também adorava o Kaká, que ele jogou no meu São Paulo e que eu não tinha nenhum parentesco com ele.  
Foi neste clima de festa e olhares curiosos que chegamos no vilarejo de Gu Cheng Cun  há 90 km de Pequim. De lá era preciso pegar um outro ônibus até a entrada do Long Qing Xia. Só concordei em tomar um taxi porque o próximo ônibus iria demorar muito para passar e o percurso era apenas de uns 15 minutos.
Nem precisa dizer que o taxista também ficou sabendo que a prima do Kaká estava a bordo. O homem olhava mais para trás para me ver do que prestava atenção na estrada. A Yuan Hai Fang achava tudo hilário e eu sem condições de discordar. Não dava para arriscar, nem de brincadeira, me indispor com ela e ficar sozinha por ali.
Descemos do táxi na primeira entrada do vale. A partir daí até a bilheteria os visitantes podem ir a pé, a cavalo ou com um carrinho parecido com aqueles que levam as pessoas nos campos de Golf. Preferi ir andando e me deliciando com aquela paisagem surreal.

A escada rolante dentro do Dragão
 Nesta área foi construída uma grande represa que fornece água para Pequim e também o lago entre as montanhas rochosas. Para se chegar até lá em cima é preciso subir por uma escada rolante em forma de Dragão, a maior do mundo, com 258 metros de comprimento que finda há quase 100 metros de altura.
Assim que a escada rolante termina, a gente sai literalmente pelo rabo do dragão. A vista é fenomenal. Os barcos levam os visitantes pelo lago cercado de montanhas rochosas num percurso de quase 7km. É tudo tão lindo, tão intenso que não contive as lágrimas e chorei de alegria por ter o enorme privilégio de estar em um lugar onde a natureza, na sua enorme perfeição, se mantém soberana há milhares de anos.


Pedalando lá nas alturas

No alto de uma montanha notei uma corda estendida até o topo de outra montanha na margem oposta do lago. Não acreditei nos meus olhos quando vi um homem andando na corda e pensei que só poderia ser um boneco. Ninguém em sã consciência iria se atrever a andar naquela corda, há mais de cem metros de altura e sem nenhuma segurança ou proteção lá embaixo.
A Yuan Hai Fang me contou que os maiores equilibristas da China costumavam fazer aquela travessia solitária que, facilmente poderia levá-los a morte, para testar a sua concentração e equilíbrio. Eu olhava para aquele homem nas alturas e, horrorizada, torcia para que ele desistisse de andar naquela corda, mas ele seguia em frente, confiante e absoluto. 
O Equilibrista

Quando ele chegou na metade da corda, parou, fez alguns movimentos de acrobacia e resolveu voltar andando de costas, solenemente pedalando uma roda de bicicleta.
Andamos bastante pelas montanhas e chegamos até um pequeno templo budista lá no alto. Havia várias pessoas fazendo suas preces e um dos monges veio falar conosco. Mais uma vez lamentei não falar mandarim e poder dizer algumas palavras para aquele monge. Pedi para a minha guia traduzir porque ele não falava inglês. Nunca vou saber se ela disse para ele exatamente o que eu estava falando e sentindo naquele momento. A Paz daquele lugar era tão grande quanto as montanhas milenares que nos cercavam.

Passamos o dia todo no Long Qing Xia.
No caminho de volta, já no final da tarde a Yuan Hai Fang quis parar em um povoado para me apresentar para algumas famílias que ela conhecia. Eram pessoas bastante simples que me receberam carinhosamente. Uma senhora, já com a  idade bastante avançada, me ofereceu um pepino longo, fino e com a casca extremamente rugosa.  Agradeci e fiquei olhando para o pepino por alguns segundos sem saber o que fazer com ele. Perto de nós, várias pessoas estavam comendo aqueles pepinos. Então, para não contrariar os costumes locais ou desapontar a velhinha simpática, eu também comi o pepino com casca rugosa junto com eles. Tinha um gosto adocicado e se não tivesse um “jeito” de pepino eu até poderia ter achado que era uma fruta asiática.
Foi um dia longo e inesquecível. Só cheguei de volta ao hotel próximo da meia noite.   


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